BAIRROS DE FLORIANÓPOLIS EM 1900

Até o século XIX, o panorama sócio-espacial foi mais rural do que urbano e sem uma definição nítida do seu perímetro. Somente no começo do século XX o quadro social se alterou com certa rapidez, promovendo um assentamento urbano e a consagração de hábitos e práticas mais citadinas do que rurais. O valor da terra aumentou, compraram -se e retalharam-se glebas, vendendo-se lotes de todo tamanho e forma. Os loteamentos impuseram-se às roças, aos matos, às chácaras, e começou a se evidenciar a separação clara entre cidade e campo. Em 1900, a população do núcleo urbano de Florianópolis era de 13.474 habitantes.
Aos poucos, foram se esboçando os primeiros bairros.
Abaixo, vemos num primeiro plano, às margens da baía Sul e da esquerda para a direita, Rita Maria, Figueira, Pedreira, Campo do Manejo e Toca, este último aos pés da igreja do Menino Deus. À direita e nos fundos da igreja matriz, Tronqueira, Canudinhos e Mato Grosso. E pelos lados da baía Norte, consequentemente não visíveis nesta imagem, Praia de Fora, São Luís e Pedra Grande.
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RITA MARIA
No início do século XX, depois do bairro da Figueira e junto ao pequeno porto, formou- se uma pequena comunidade com aproximadamente trinta casas, todas de madeira:
Ficava à beira-mar, onde aportavam as embarcações vindas dos lugares mais distantes da ilha e do continente fronteiriço, trazendo produtos da lavoura, aves, frutos e pescados para serem vendidos na cidade. Num casario rente à praia viveu uma senhora que se chamava Rita Maria, filha de escravos. Conhecedora do segredo das rezas, das benzeduras e dos chás que herdou dos seus antecedentes, a dita senhora ficou conhecida pelos muitos benefícios que fez. Foi devido à sua fama de curandeira que, com o passar do tempo, o lugar onde viveu tomou o seu nome.
Já na imagem abaixo, anos depois, podemos observar junto ao porto o polo industrial que ali havia se instalado.
FIGUEIRA
O bairro da Figueira era percebido em seu conjunto por quem desembarcasse na cidade.
Assim, a visão inicial da capital pelo mar não impressionava bem aos que a visitavam pela primeira vez. Ao longo do cais da Figueira, casinhas antigas com os fundos voltados para o mar exibiram "quintalejos" murados ou de tábuas e ripas, com uma multidão de embarcações miúdas ao redor, como botes, bateões e canoas. Ainda em 1900 este bairro era, nas ruas próximas ao mar, "o bairro dos embarcadiços":
"Quem passa por aí sente, desde o morro do Wenceslao até a rua da Palma(hoje Álvaro de Carvalho), um cheiro de peixe, verniz, alcatrão, estopa, lona nova...tudo o que nos lembra navio e mar...". Virgílio Várzea
PEDREIRA
Compreendia a região entre a praça XV, o rio da Bulha e o Campo do Manejo.
Segundo Osvaldo Rodrigues Cabral, era o bairro mais sujo da capital. Cortiços baratos e sem conforto. Lavadeiras. Marinheiros. Soldados. Mendigos. Mulheres de má vida. Gente de má fama. Toda uma favela a margear um rio imundo.
A grande transformação desta região aconteceu no começo da década de 20, com as obras de saneamento do Rio da Bulha e a inauguração da avenida Hercílio Luz .
Seu nome é uma referência ao afloramento de pedras existente na região. A Escola Normal, na rua Saldanha Marinho, foi construída sobre um desses afloramentos.
CAMPO DO MANEJO
Entre os bairros da Toca, Tronqueira e Pedreira ficava o Campo do Manejo, com o seu enorme quartel.
No grande campo existente na região era realizado o manejo(treinamento)das tropas. Eis aí a origem do nome.
Segundo Osvaldo Rodrigues Cabral, por ali havia ainda as casinholas dos becos, casinhas de porta e janela, bem inferiores às senzalas de netos de certas fazendas, tão pequenas e imundas, destacando os cortiços do Beco do Quartel e do Beco do Pedro Soares, entre tantas vielas sórdidas da cidade .
Foi no Campo do Manejo, no dia 14 de agosto em 1910, com arbitragem de Guilherme Figueiredo, que ocorreu a primeira partida de futebol com regras, árbitro e jogadores trajados com uniformes aqui em Santa Catarina. De um lado, advogados que vieram para Florianópolis prestar um concurso e do outro, estudantes do Colégio Catarinense. Eis a escalação dos catarinenses: Roberto Moritz; Alberto Glaser e João Cunha; Garibaldino do Amaral, Lauro Ramos e Miguel Oliveira; Fernando Garrocho, Hortêncio Goulart, Alfredo Schlemm, Pedro Alcântar e Ricardo Garcia. Ao final da partida vitória do time da casa por 2X1, com gols de Alfredo Schlemm e Fernando Garrocho
Na imagem abaixo, a oponente edificação do quartel, que não teve somente funções militares. No período imperial foi uma das sedes do parlamento estadual.
TOCA
A Toca, depois da Matriz e seus arredores, foi um dos primeiros pontos onde a cidade começou a edificar-se, por volta de 1760, nas proximidades da igreja do Menino Deus, junto ao mar. Era bairro de pescadores, cheirando a maresia, a peixe, a lodo. Como a Figueira, era um arrabalde marítimo, mas de outro gênero, "porque nele só se acomodam os pescadores e redes que lanceiam ali mesmo, nos baixios da baía".
TRONQUEIRA
Região nas vizinhanças do Campo do Manejo, tendo como sua principal via a hoje conhecida rua General Bitencourt. Quando o comércio foi tomando de assalto as ruas do centro, foi para aonde os pobres foram aos poucos se exilando, habitando cortiços que margeavam o rio da Fonte Grande, ou rio da Bulha.
CANUDINHOS
Era assim conhecida a região da cidade localizada entre a avenida Mauro Ramos e as ruas Major Costa, Nestor Passos e General Vieira da Rosa.
A ocupação, que começa em 1860, foi feita por escravos fugidos ou libertos que viviam em pequenas choupanas e ranchos de madeira, ao redor dos quais plantavam pequenas roças.
Nos primeiros anos do século XX, a região passou a ser conhecida também por outras denominações:
A partir de 1910 como Morro da Caixa, com a construção do primeiro reservatório de água da capital na parte alta do bairro; e em 1927 como Monte Serrat, por causa de uma imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat que chegou de navio a Florianópolis e foi levada em procissão até a capela da comunidade.
Abaixo, a inauguração do reservatório.
Canudinhos era passagem obrigatória de moradores das localidades de Trás do Morro (Trindade, Pantanal e Córrego Grande), que cruzavam trilhas abertas nas encostas do maciço. Eles desciam pelo Caminho Velho, visto na imagem abaixo, mais tarde rua Campos Novos e hoje rua Nestor Passos, com balaios amarrados a cambões cruzados sobre as costas. Traziam peixes, frutas, verduras, galinhas e ovos para vender na cidade.
MATO GROSSO
Se apresenta como um agreste, mas aprazível arrabalde, porque nele prevalecem menos as construções que a paisagem.... magnificente, particularmente em toda a vasta espalda ocidental do Antão, onde vicejam admiráveis quadros de variadas culturas, a par das altas frondes copadas das florestas e pomares.
Na imagem abaixo, dos anos 50, podemos observar além do Mato Grosso, um pouco da praia de Fora.
A rua mais pitoresca do bairro era a que partia do largo 17 de Novembro (hoje praça dos Bombeiros) e findava no largo Benjamim Constant.
Era a região das melhores chácaras: são notáveis as casas de construção moderna ou recentemente reformada, dos irmãos Wendhsusen, o quartel do Corpo de Segurança, as vivendas Eloy e Livramento, os elegantes chalets Carneiro e Veiga, verdadeiros cottages de campo europeus, pelos seus encantadores jardins, hortas, pomares, e vastas pastagens verdíssimas, para as vacas crioulas ou de raça.
Sob o prisma de Oswaldo Rodrigues Cabral, as chácaras do Mato Grosso e também as da Praia de Fora, nos bairros deputados como os mais saudáveis desde meados do século XIX, ofereciam as melhores residências aos mais abastados, por ficarem longe do centro, ao abrigo de qualquer promiscuidade, resguardadas das proximidades indesejáveis, e muitas possuíam água própria.
PRAIA DE FORA

A Praia de Fora aparece como a primeira estação balnear da capital que, num espaço de dois quilômetros, se estendia ao norte da cidade, desde as pedras do soeiro até a ponta de São Luís. Além de magnífica por sua paisagem, foi considerada como um excelente ancoradouro.
Na imagem abaixo, dos idos anos 50, dia de praia cheia, com direito a muito sol e o vento nordeste pra dar aquela refrescada.
É um dos mais belos arrabaldes de Florianópolis, senão o mais belo, porque representa para os catarinenses o que é o Botafogo para a Capital Federal: o bairro de linha, o bairro chic, o bairro aristocrático.
Segundo Virgílio Várzea, se as casas da Praia de Fora, na sua parte litoral, tivessem todas a frente para o mar, e não os fundos, maculando assim o padrão moderno das atuais construções do bairro, o panorama desta praia recordaria bem o formoso Golfo de Nápoles.
Já na imagem abaixo, por volta de 1950, destaque para o imponente Colégio Catarinense.
Virgílio Várzea registra que os viajantes que chegavam à cidade de barco, remontando do continente, deixavam vívidas impressões, não só do porto e do Bairro da Figueira, como também de outros arrabaldes mais ao norte:
"O vapor arrancou aproado ao norte, afogado numa espuma alvacenta. À proa, o estreito oferecia ampla paisagem para a baía do norte, ostentando, à direita, no alto de sua coluna insular, o Cemitério Público, de um aspecto funerário na brancura dos seus túmulos, olhando o mar por entre ,as aldeias solitárias de cipestres esguios; à esquerda, e em contraste bem vivo, a casaria do arraial da Passagem, com os seus caminhos animados pelo trânsito contínuo dos que demandam diariamente à ilha, as paredes alvejando alegremente sobre um fundo de ramarias silvestres, nessas lombadas de coxilhas que vão morrer às capoeiras. Depois, a Praia de Fora, São Luís, a Pedra Grande.
Imagens da Praia de Fora, na década de 50.
Observa-se nas edificações da Praia de Fora o ecletismo arquitetônico característico do ínicio do século XX, desde o chalet de modelo suíço às casas de estilo alemão, como os palacetes Schutel, Fialho, Villela, Alves de Brito, Trompowsky e Pamplona, na Rua Esteves Júnior, e as casas Cogoy, Vinhas, Hoepcke, Hackradt, Wahl e Paranhos, na Rua Bocaiúva, junto ao litoral. Acomodadas ao clima tropical, muitas tinham avarandados à frente ou ao lado.
Cabe destacar nestas vivendas e chácaras a vegetação variada, as árvores frutíferas e as palmeiras em vastos jardins bem cuidados, aos cantos dos quais se vêem vistosos mirantes ou caramanchões.
Na imagem abaixo, da década de 80, as imediações da esquina da Rua Bocaiúva com a Av. Trompowsky.
O eixo compreendido pelas ruas Bocaiúva e Almirante Lamego é hoje um dos endereços residenciais mais nobres de Florianópolis. Até 1848, quando teve seu arruamento e cercas deferidas pela Assembléia Legislativa Provincial, o local era apenas um primitivo caminho ao longo da praia, paralela à Baía Norte. O primeiro nome oficial foi “Rua da Praia de Fora”. Posteriormente, a Bocaiúva se tornou “Rua São Sebastião”, e a Almirante Lamego “Rua Sant’Ana”. Os nomes atuais são homenagens a Quintino Bocaiúva, jornalista e político, e Jesuíno Lamego da Costa, militar e político, o Barão de Laguna.
SÃO LUÍS
Na confluência dos bairros da Praia de Fora e Mato Grosso organizou-se o que foi na verdade uma extensão do primeiro deles: o bairro de São Luís, que adotou o nome do pequeno fortim que ali existia. Limitava com o bairro da Pedra Grande, que o sucedia no sentido norte.
O forte São Luís localizava-se onde hoje é a praça Lauro Muller, na esquina da Av. Mauro Ramos com a Av. Beira Mar Norte, no canto inferior direito da imagem abaixo, datada do começo da década de 70.
PEDRA GRANDE
Era o caminho para a freguesia da Santíssima Trindade e outras paragens a norte da ilha, refletindo durante mais tempo uma forte ruralidade. Por sua situação longínqua, e quase uma légua da cidade, este bairro tinha já o aspecto de uma freguesia:
...as suas casas rareadas, erectas bem na linha da praia sobre terrenos de marinha, os jardins e quintais avançando para as ondas.
...este alegre arrabalde, com a sua casaria caiada e de variados feitos, atrai aos domingos uma grande parte da população desterrense, que percorre o bairro a carro, a cavalo, ou em grupos a pé.
...a extensão da rua principal e sua amplitude conferem uma certa feição de avenida campestre a toda Pedra Grande, tornando-a paraíso para as excursões e cavalgadas.
Ponto de referência na região até os dias atuais, a icônica edificação que um dia abrigou a sede do Country Clube foi construída em 1879 pelo abastado comerciante português Joaquim Manoel da Silva, seu proprietário e primeiro morador. Sua planta original e os operários vieram do Uruguai. A obra foi concluída em onze meses.
Na primeira imagem, estamos em 1900, já na segunda, o registro é de 1979, exatamente cem anos após a construção do casarão.
Textos: Livro Florianópolis Memória Urbana de autoria de Eliane Veras da Veiga, ndmais.com.br, floripacentro.com.br, floripamanha.org, adaptados por Ricardo Borges

Fotos: I.H.G.S.C, Acervo Bruxo-els, Acervo Velho Bruxo, Acervo Colégio Catarinense, Acervo UFSC, Agusto Buechler

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